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O que a gente faz antes do fim?

David Ribeiro

Talvez o futuro tenha deixado de ser uma promessa. Talvez nossas relações tenham se tornado fugazes. Talvez tudo passe rápido demais diante de nós. Me avise antes que acabe, título que demos juntes a essa exposição — que também é fugaz — é o pedido de quem sabe que vive algo bom. Um pedido que expressa aquela vontade de prolongar os bons momentos que vivemos em meio às incertezas, angústias, dores e ansiedades cotidianas. Sinto que também expressa o desejo de que alguém nos diga que algo está prestes a mudar. É o pedido de alguém em busca de calma, de acalento: me avise para que eu tenha tempo de aproveitar o tempo que ainda resta. Me avise para que eu me lembre de viver o presente. Me avise para que eu possa me preparar para o que vem depois.

Inspirado pelo título da mostra, bem como pelas relações que nós, 24 pessoas, construímos ao longo deste primeiro semestre de 2024, tenho pensado sobre o que a gente faz antes que algo (bom) termine. Porque mesmo que muitas afinidades tenham aflorado ao longo dos nossos encontros às quartas-feiras e que algumas delas já viessem de antes, essa mesma reunião não vai se repetir. E não, isso não é ruim. Por mais clichê que isso soe, algumas finalizações são belas porque nos fazem lembrar que há acontecimentos que nos alimentam e nos engrandecem. As relações que essa mostra corporifica foram mediadas por nossas trajetórias profissionais-pessoais e construíram reflexões fundamentais sobre como pensar e o que fazer sobre/com o tempo que já vivemos e sobre o que temos a viver.

Todos os trabalhos aqui presentes, individualmente e em conjunto, são muito bem-sucedidos em suas propostas sobre o agora, mesmo que repletos de passado ou de futuro. É muito notável, nesse sentido, o quanto a raiva, o humor, a ternura, o trauma, a memória, o afeto perpassam essas produções e reforçam os nossos vínculos enquanto sujeites que vivem um mesmo contexto. Do mesmo modo, fazem pensar sobre como a nossa vida acontece enquanto a gente espera o derradeiro fim de tudo. Apagar rastros. Apagar o que violenta. Destruir o que rouba o nosso tempo e fragiliza as nossas interações, ainda que muitas vezes as facilite. São gestos que afirmam a possibilidade de uma atitude, poderosa e deliberada, de pôr fim a algo que destrói. Há coisas que é preciso fazer acabar, assim como há memórias que, revividas, são a reafirmação da dor. Há memórias que pungentemente martelam que o fim nem sempre é o fim, e que mesmo depois de tudo se desfazer, há algo que resta a resolver. Outro movimento que também é profundamente
marcante nos trabalhos é o de busca: a procura por vestígios de vida humana ou não-humana, a busca pelo que não está revelado, a busca por conexões entre o tempo e o espaço vividos nos mais corriqueiros gestos do cotidiano. Por fim, nessa dança entre o repelir e o procurar estão as nossas expectativas mais profundas, a nossa relação com as nossas verdades mais íntimas: nossos corpos e as marcas que imprimimos sobre eles (ou as que permitimos que outras pessoas imprimam), as normatizações e as violências que elas representam...

Antes que tudo isso acabe, gostaria de dizer ainda que meu desejo era escrever sobre o universo de cada um dos trabalhos. Mas isso é impossível, ao menos agora. Por outro lado, pensei em reforçar ainda mais o que (n)os une. Acho que isso também é uma forma de postergar o fim desse ciclo de encontros e de seguir alimentando a admiração que construí pelas trajetórias de vocês.

Junho de 2024

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